Estamos diante da mais aguda crise ambiental e de justiça social da história. Uma crise estrutural, multifacética e, pela primeira vez, verdadeiramente planetária (pois ocorre em todos os quadrantes e atinge países pobres, em desenvolvimento ou ricos).
São ocorrências danosas aos humanos e à natureza confirmadas por pesquisas, contundentes provas científicas que apontam para diferentes cenários, todos críticos quanto ao nosso destino comum desta e das futuras gerações. Omissão ou fragilidade pode nos levar ao extremo de colocar em risco nossa sobrevivência. São tempos de atitudes individuais e coletivas, agendas de interesse comum e senso de urgência para todos.
Não se trata só de uma crise ambiental. Engloba todas as dimensões (ética, econômica, social, política, político-jurídica, cultural e até espiritual). Daí, várias iniciativas, atitudes, compromissos para construção da sustentabilidade estão em pauta, em especial o inédito consenso alcançado por 193 países que firmaram na COP 21, em 2015, a Agenda 2030 – Transformando Nosso Mundo com 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS – e 169 metas nas mais diferentes áreas para alcançá-los e para redução das emissões dos gases de efeito estufa.
O Brasil – com reconhecido protagonismo mundial – sediou a histórica RIO 92 e depois a RIO + 20 em 2012 (cujo legado principal foi o compromisso de em três anos os estados-membros da ONU, suas sociedades e empresas oferecerem objetivos e metas para resolver ou mitigar a grave crise planetária) e fez bonito na Conferência das Partes – COP 21-, inclusive com ousadas metas apresentadas.
Hoje, além das mudanças climáticas e outras turbulências,vivemos uma mudança assustadora: o desmonte do construído ao longo de décadas, de desrespeito ao processo e ditames constitucionais e o descumprimento ou desatenção a compromissos assumidos pelo Estado brasileiro em instâncias planetárias – como o Acordo de Paris/COP 21/ Agenda 2030 Transformando Nosso e outros. Há uma inversão de valores como no afrouxamento de fiscalizações, no desrespeito às normas, no estímulo ao ilegal, na confusa e contraditória gestão pública, na insensata postura política de extremo conservadorismo, de negação da realidade científica e vivencial e tantos outras demonstrações de espasmos autoritários.
Sem esgotar os conteúdos e as diferentes dimensões da crise, vejamos situações e alguns dados para bem dimensionar nosso imenso desafio e assim fertilizar ainda mais a reflexão que gera ação, bem como desconstruir posições de céticos ou “negacionistas da ciência climática”.
DIMENSÃO CLIMÁTICA/AQUECIMENTO GLOBAL
• Só em 2017 tivemos 330 bilhões de euros perdidos no mundo em catástrofes naturais, conforme resseguradora alemã Munich Re e 93% se relacionaram a eventos climáticos.
• Entre 1980 e 2016, só na Europa, foram de 410 bilhões de euros a soma das perdas com desastres naturais relacionados ao clima, refletindo, sobretudo, prejuízos financeiros e ativos físicos.
• Em 2018, segundo a organização britânica Christian Aid, só as 10 maiores catástrofes climáticas geraram um custo de US$ 91 bilhões ou cerca de R$ 357 bilhões.
• Até 2100, conforme estudo e projeções recentes contidos no respeitado periódico científico Nature, um aquecimento de 2,5°C pode colocar em risco US$2,5 trilhões em ativos na economia mundial. No cenário mais pessimista da pesquisa da London Schoolof Economics, e com as incertezas de valoração dos riscos impostos pela mudança do clima, há 1% de chance de que o prejuízo chegue até US$ 24 trilhões.
• Hoje, já são 5 milhões de mortes a cada ano devido à poluição do ar, fome e doenças como resultado das mudanças climáticas e das economias com uso intenso de carbono, e esse número provavelmente vai subir para 6 milhões por ano até 2030 se os atuais padrões de uso de combustíveis fósseis continuar, conforme documento encomendado pelo Fórum Clima Vulnerável, uma parceria de 20 países em desenvolvimento serão ameaçados pela mudança climática.
• O crescimento econômico global será reduzido em 3,2% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2030 se o mundo fracassar no combate às mudanças climáticas, sendo que o custo para adotar uma economia de baixo carbono é estimado em cerca de 0,5% do PIB mundial.
• Todos perdem – especialmente nas perdas em dinheiro- com as mudanças climáticas atingem tanto países ricos, em desenvolvimento ou os mais pobres, conforme estudo recente que reuniu pesquisadores das universidades de Cambridge (Reino Unido), do Sul da Califórnia e Johns Hopkins (EUA), da Universidade Nacional de TsingHua (Taiwan) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) e divulgado pelo Bureau Nacional de Pesquisa Econômica (NBER, na sigla em inglês), dos Estados Unidos;
• Atualmente o Brasil é o sexto país do mundo que mais sofre com catástrofes climáticas, segundo dados da ONU.
A verdade sobre o aumento da temperatura está sobejamente comprovada. A temperatura média global da superfície da Terra em 2018 – o mais quente ¬- superou em cerca de 1,0°C os níveis da época pré-industrial (1850-1900). Nos vinte e dois últimos anos, vinte foram os mais quentes desde 1850, início dos registros sistemáticos da temperatura mundial, conforme NASA, COPERNICUS-União Europeia e a OMM – Organização Meteorológica Mundial.
Para segurança dos dados a ONU usa como referência o ano de 1850, data em que começaram a ser realizados os registros sistemáticos da temperatura.
Fortes impactos das mudanças climáticas também se dão no CICLO DA ÁGUA, com consequências na ALIMENTAÇÃO, FLORESTAS, BIODIVERSIDADE, DESERTIFICAÇÃO, ENERGIA, SAÚDE, SISTEMAS URBANOS e AMBIENTAIS.
DIMENSÃO HÍDRICA
A água – o bem da natureza mais ameaçado e mais fundamental para os humanos, os animais e os vegetais – já está no epicentro de conflitos, de desastres naturais, de problemas de saúde, de alimentação, de degradações produtivas, de diversas contaminações químicas, agrotóxicas, residuais, de erosão do solo, de desmatamentos, de queimadas, da má gestão e do desperdício. Senão vejamos:
• 90% dos desastres naturais no mundo estão relacionados com a água.
• Três em cada dez pessoas não têm acesso a uma fonte segura de água potável.
• 1,9 bilhão vivem em áreas sob risco de escassez hídrica.
• Escassez de água pode reduzir o crescimento econômico em 6% do PIB MUNDIAL até 2050 (Relatório do High anda Fry: ClimateChange, Water and the Economy – Bco. Mundial), pois ela está presente em 80% de todos os empregos no mundo.
• No Brasil, o Atlas Brasil ANA – 2011 – já apontava, de forma insofismável, que 55% dos municípios nos próximos anos conviveriam com déficit no abastecimento de água, atingindo 125 milhões de brasileiros (71% da nossa população).
• Outro drama social, de saúde pública, de desatenção: “45% da população brasileira ainda não têm acesso a serviço adequado de esgoto”, conforme outro Atlas Esgotos: Despoluição de Bacias Hidrográficas – ANA e Ministério das Cidades.
DIMENSÃO POLUIÇÃO & RESÍDUOS
• Banco Mundial estima que a poluição gera custos econômicos, de saúde e perdas de bem-estar de US$ 5,11 trilhões/ano em todo mundo e irá ocasionar um milhão de vidas por ano até 2050 se os países não cumprirem o Acordo de Paris (relata a Organização Mundial da Saúde/2018).
• Nos 15 países mais desenvolvidos e que mais emitem gases de efeito estufa a projeção do Banco Mundial é que os impactos da poluição do ar na saúde é superior a 4% de seu PIB, enquanto que as ações para atingir as metas do Acordo de Paris, Agenda 2030-Acordo do Clima, custariam cerca de 1 do PIB global.
• No Brasil, no começo da última década, a poluição gerou um custo de 2,6% do nosso PIB e mais de 50 mil vítimas/ano. Com agravante: a maioria dos estados no Brasil não realiza monitoramento regular de quanto e quais poluentes são jogados na atmosfera (Plataforma da Qualidade do Ar).
• Nosso LIXO de cada dia cresce assustadoramente em quantidade e em perigos tóxicos.Maurício Waldman (Lixo: cenários e desafios – Cortez Editora) afirma que “dar destino correto aos 30 bilhões de toneladas de lixo gerados anualmente pela humanidade é um problema cada vez mais complexo… Não há planeta para tanto lixo”.
• Brasileiras e brasileiros geram mais de 240 mil toneladas/dia de lixo (grande parte depositada de forma inadequada em 2.906 lixões em 2.810 municípios). Somente 18% deles há programas oficiais de Coleta Seletiva (IPEA).
• São muitos os efeitos causados pelos resíduos sólidos no solo, nas águas e na atmosfera, como o aumento dos gases de efeito estufa na atmosfera terrestre (os aterros e lixões são grandes geradores de gás metano).
DIMENSÃO SOCIAL
A crise da desigualdade, da acelerada concentração de renda e riqueza, da exclusão social e produtiva. Miséria, fome, exlusão. “Ao invés de uma economia que trabalha para a prosperidade de todos, para as gerações futuras e pelo planeta, o que temos é uma economia que trabalha para o 1% dos mais ricos” relata a Oxfam.
• Significa que 1% da população global detém a mesma riqueza dos 99% restantes. Vivemos numa sociedade onde “em 2016 as 62 pessoas mais ricas do mundo acumularam o equivalente à riqueza dos 50% mais pobres da população mundial”.
• No Brasil, menos 10 brasileiros ganham por ano mais do que 100 milhões de pessoas, o que atesta a gigantesca concentração de renda e riqueza.
• Além de dramática situação social de desempregados, de subempregados, da crescente economia informal, do congelamento dos investimentos em saúde, educação, segurança, flexibilização trabalhista, de violência e insegurança aguda e várias outras iniciativas ou omissões governamentais que – entre outras crueldades – fazem aumentar a exclusão, o desperdício, a desesperança, a desnutrição e a fome entre nós.
• A propósito, estamos entre os 3 maiores produtores mundiais de alimentos do mundo, e somos o 4° em desperdício.
• Temos – conforme a Embrapa -uma perda de 41 mil toneladas/ano de alimentos, vale dizer, café da manhã, almoço e janta para mais de 19 milhões de pessoas e Instituto Akatu aponta onde as perdas ocorrem: 20% na colheita; 8% no transporte e armazenamento; 15% na indústria de processamento; 1% no varejo; 20% no processamento culinário e hábitos alimentares. São calorias, nutrientes, valores ambientais, econômicos, sociais, culturais jogados fora como também muita água, energia, terra, trabalho, diversos recursos, estruturas.
DIMENSÃO FINANCEIRA
Predomina no mundo a ECONOMIA ESPECULATIVA, nada sustentável. Temos um sistema financeiro desatento a princípios éticos, prática rentista, uma jogatina. Patrick Viveret, em sua obra Por uma sobriedade feliz, registra que “pouco antes da crise internacional de 2008/9 havia no sistema financeiro mais de U$ 3,2 bilhões de transações financeiras e só uma pequeníssima parte, menos de 3%, correspondia a bens e serviços, isto é, de ECONOMIA REAL”. Portanto, 97% era de ECONOMIA ESPECULATIVA, sem gerar obras, serviços, empregos, prosperidade e que oscilava entre euforia e pânico de uma hora para outra.
• Predomina a “ECONOMIA EMOCIONAL” no sistema financeiro que vivemos. Conforme denominou o próprio Wall Street Journal, em plena crise de 1987, uma economia que só conhece dois sentimentos: “A EUFORIA & O PÂNICO”.Há pouco, o próprio Vaticano atacou pesadamente a finança especulativa inescrupulosa e amoral, capaz de “criar crises sistêmicas e de alcance mundial”, marginalizando grandes massas da população como “excluídos e descartados” -Considerações para um discernimentoético-sistema econômico-financeiro –Vaticano.
DIMENSÃO NA BIODIVERSIDADE
De extrema importância para o Brasil, se optar pela oportunidade, e não pela crise crescente.
A UNESCO nos ensina que a “biodiversidade é a variedade de vida na Terra. É composta por todos os seres vivos e engloba desde vírus microscópicos até os maiores animais do planeta e todos os genes, espécies, ecossistemas e paisagens que integram nosso mundo. Humanos são parte integrantes da biodiversidade e são “os ecossistemas que nos suprem de elementos básicos para a vida, incluindo alimentação, água potável, madeira, fibras, recursos genéticos, medicamentos, produtos decorativos e culturais; ajudam a manter a qualidade do ar, a purificar a água, a tratar resíduos e a nos proteger de perigos naturais, erosão, pragas e doenças. Exemplo: a biodiversidade dos ecossistemas de áreas úmidas auxilia na purificação natural da água; as árvores nas cidades reduzem a poluição do ar; realizam processos fundamentais, mas muitas vezes invisíveis, dos quais todos os outros serviços do ecossistema dependem. Por exemplo, a produção de alimentos depende da formação do solo, que por sua vez depende das condições climáticas, bem como de processos químicos e biológicos; e serviços culturais – os benefícios não materiais que as pessoas obtêm dos ecossistemas por meio de enriquecimento espiritual, reflexão, recreação e assim por diante. A biodiversidade moldou lendas e inspirou culturas, história e artes”.
Quanto vale a biodiversidade e seus serviços?
O importante relatório “A Economia dos Ecossistemas e a Biodiversidade”(The Economics of Eco Systems and Biodiversity) responde com o cálculo de que o valor total da biodiversidade e de seus serviços é de US$ 33 trilhões por ano, praticamente o dobro do valor da economia mundial. Vê-se como a manutenção da biodiversidade é imprescindível para o funcionamento dos ecossistemas. Porém, as atividades humanas e as mudanças climáticas estão varrendo do planeta 3 espécies animais ou vegetais por hora, diz a ONU, e com efeitos nas economias, meios de subsistência, segurança alimentar e qualidade de vida. Por sua vez, o indiano Pavan Sukhdev–economista que coordenou o estudo acima atesta que a perda da biodiversidade pode causar prejuízo de até US$ 4,5 trilhões por ano, incluindo nesta conta o valor funcional dos animais, das florestas e dos rios nas diversas atividades que afetam os seres humanos.
Vale lembrar que na RIO-92 surge a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), com forte posicionamento do Brasil, líderes mundiais definiram uma estratégia global e dos instrumentos jurídicos para atingir o desenvolvimento sustentável e ajustaram três objetivos principais: conservação da diversidade biológica; uso sustentável de seus componentes; e partilha justa e equitativa dos benefícios resultantes do uso dos recursos genéticos.
E qual o papel estratégico do Brasil para os brasileiros e para o planeta como campeão em biodiversidade?Ser líder mundial em bioeconomia uma vez que temos a biodiversidade mais rica do planeta. Nós e mais 16 outros países, sozinhos, possuem 70% da biodiversidade do planeta, 57% dos bosques primários e 45% da população mundial.São os 17 da MEGA DIVERSIDADE.
Em nosso território abrigamos 20% de todas as espécies do mundo. Os números de espécies da fauna e flora do Brasil impressionam (5.000 espécies de fungos filamentosos e leveduras – 10% da diversidade mundial; 22% da diversidade de briófitas do mundo; cerca de 1.400 espécies depteridófitas – 12% da diversidade mundial; maior diversidade de plantas angiospermas do mundo. Estima-se mais de 45 mil espécies; entre 90 a 120 mil espécies de insetos – 10% da diversidade mundial; maior diversidade de peixes do mundo. Mais de 3.500 espécies; a fauna mais rica do mundo para o grupo dos anfíbios; cerca de 1.800 espécies de aves; mais de 650 espécies de mamíferos).
Grande parte da biodiversidade brasileira é encontrada na Floresta Amazônica, Mata Atlântica e Cerrado.
A Biodiversidade da Amazônia é exuberante: acredita-se que possua quase 60% de todas as formas de vida do planeta. No entanto, menos de 30% delas são conhecidas pela ciência. Uma ideia da grandiosidade: por hectare podem ser encontradas de 40 a 300 espécies de árvores diferentes. No comparativo com a América do Norte: lá, esse número varia entre 4 a 25. E grande parte das espécies encontradas na região amazônica são endêmicas, ou seja, só ocorrem lá. Mas com toda essa expressividade, Caatinga e Amazônia estão entre os biomas mais vulneráveis diante da variação/mudança climática e são merecedores de atenção especial. Alerta que vem do estudo de uma série de dados de satélites de 14 anos sobre cobertura vegetal e variáveis climáticas em diversas regiões do mundo. São pesquisadores da Noruega e do Reino Unido que criaram um índice de sensibilidade da vegetação que contribui para prever os efeitos das mudanças do clima sobre ecossistemas no mundo e facilitar o entendimento em quais regiões pode ocorrer extinção ou resistência ao aquecimento.
É evidente que o declínio da biodiversidade brasileira prejudica – e muito – as pessoas de todo o Brasil, seja direta ou indiretamente, em termos econômicos, políticos, culturais e sociais, e representa uma das maiores ameaças ambientais que enfrentamos, comprometendo também o futuro das novas gerações.
No Ministério de Meio Ambiente, há entendimento quanto aos principais processos responsáveis pelo dano à biodiversidade: a perda e fragmentação dos habitats; introdução de espécies e doenças exóticas; exploração excessiva de espécies de plantas e animais; uso de híbridos e monoculturas na agroindústria e nos programas de reflorestamento; contaminação do solo, água e atmosfera por poluentes; e mudanças climáticas. Somam-se propostas de contenção da perda da biodiversidade contidas na Convenção sobre Diversidade Biológica e PNUMA: aumento da superfície de áreas protegidas (atualmente existem 105 mil unidades de áreas de proteção que correspondem a 12% do planeta); desenvolvimento de metas de recomposição do número de espécies perdidas; desenvolvimento de programas de prevenção da poluição; aprimoramento no uso de recursos (aumentar a eficiência); planejamento mais eficiente na expansão agrícola; moderação no consumo de alimentos; valorização do conhecimento das comunidades tradicionais.
Em razão dos enormes interesses – conflitantes e muitos hegemônicos – torna-se imprescindível entre nós que governantes, políticos, sociedade, academia, os locais e da área privada tenham uma estratégia ousada de interesse coletivo, de bem comum, soberana, emancipatória, contínua, de valorização da nossa biodiversidade, de conhecimentos, pesquisas e aproveitamento e usos sustentáveis e compartilhados.Com respeitosos diálogos de saberes, ampliar, sistematizar e valorar processos participativos e a contribuição de saberes originários, populares, acadêmicos, científicos e com ecotecnologia, processar apropriadamente riquezas conhecidas e pesquisar as ainda não suficientemente conhecidas de nossos biomas, em especial do amazônico. Afinal, mais que gado, soja, madeira ou minério é a bioeconomia que vai fazer a prosperidade continuada, vai conquistar o mundo, vai nos colocar como sujeitos do avanço e não do atraso, da insensatez, da depredação. Comparecer no concerto das nações proativas, responsáveis e chamando à corresponsabilidade é que inaugurará uma nova geopolítica positiva, de relações internacionais cooperativas e respeitosas, aproveitando bens da natureza sem degradar, contaminar e depredar.
Daí a justeza do admirável e reconhecido cientista, professor e pesquisador brasileiro, Carlos Nobre, expert mundial em mudanças climáticas globais, que – como ponta de lança de uma importante iniciativa de valorização dos produtos da biodiversidade amazônica – propõe uma nova economia, a bioeconomia -, uma inovadora industrialização, o desenvolvimento sustentável. Com mais de 40 anos dedicados ao estudo da floresta, do clima, da economia de baixo carbono e na formulação de mudanças estruturais para um país do século 21, defende o Projeto Terceira Via Amazônica, já denominada de AMAZÔNIA 4.0, que “busca revelar o potencial da floresta por meio de uma bioeconomia baseada na riquíssima biodiversidade amazônica”. E exemplifica esse potencial com o açaí que já alcança mais de 250 mil/toneladas de poupa produzidas por ano, beneficiando 300 mil pessoas e que gera 1 bilhão de dólares/ano para a economia da região. Afirma Carlos Nobre que “o grande futuro da floresta depende do desenvolvimento de uma industrialização a partir da biodiversidade, com a floresta em pé, sistemas agroflorestais, com restauração de áreas desmatadas, com cultivo de espécies de valores econômicos, tudo associado às indústrias locais para agregar valor”.
A mesma exuberante biodiversidade se estende atrativa aos saberes e sabores da diversidade alimentar uma vez que o mundo tem 30 mil espécies de plantas comestíveis – muitas nos nossos biomas – mas se utiliza de apenas 30 culturas que são responsáveis por atender 95% da energia fornecida pelos alimentos consumidos pelos seres humanos; a maior parte delas (60%) se resume a arroz, trigo, milho, milheto e sorgo- dados da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas -IPBES). O mesmo ocorre com a crescente procura de alimentos, saudáveis, de cosméticos naturais e o significado das inúmeras plantas com propriedades medicinais que clamam por uma ousada Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, com incentivos de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e implantação de complexo industrial de saúde, a começar com fitomedicamentos no SUS. Aqui, como em outros campos, hoje, somos dependentes, vassalos. Dispondo de todos esses bens da natureza, com o maior banco biogenético disponível e “dormimos em berço esplêndido”, pois somos dominados pela farmoquímica multinacional. Importamos 80% dos medicamentos ou dos fármacos para produzi-los e dos aparelhos hospitalares que usamos gerando um gasto-importação de mais de 110 bilhões de reais/ano. Dolarizamos o valor dos remédios que consumimos com enorme custo aos brasileiros e geramos empregos e riqueza lá fora.
Nunca foi tão oportuna a reflexão para ação instigada pelo premiado Lester Brown – autor de mais de 20 livros, traduzidos em mais de 40 idiomas, criador e líder do World Watch Institute que todo ano, desde 1984, publica o livro O Estado do Mundo, um raio X do planeta – quando nos convoca a trazer o futuro para mais perto: “o Brasil possui uma riqueza extraordinária em biodiversidade, de fato a maior de todo o mundo. Acho que poucos brasileiros se dão conta do valor dessa diversidade genética. Trata-se de uma enorme biblioteca, que não existe em nenhum outro lugar. No futuro, quando o material genético adquirir grande valor, a conservação da diversidade biológica renderá muitos dividendos. Observar a Amazônia desaparecer nas chamas me lembra um pouco o incêndio da biblioteca de Alexandria, há mais de 2.000 anos. Era uma das maiores bibliotecas do mundo e, quando os invasores chegaram, decidiram queimar tudo. Por quê? Porque acreditavam que ela não tinha nenhum valor”.
COMPROMISSOS – METAS ASSUMIDAS PELO ESTADO BRASILEIRO
Quanto aos compromissos assumidos com outros 192 países na Assembleia Geral da ONU/setembro de 2015 e o ACORDO DE PARIS/dezembro de 2015, foram ratificados pela Câmara dos Deputados e Senado da República. O Brasil, o Estado brasileiro se obrigou com a implementação da Agenda 2030 – Transformando Nosso Mundo com 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS – e 169 metas nas mais diferentes áreas. Significa dizer que após três anos de consultas internas entre governos, empresas, sociedade foram estabelecidas METAS BRASILEIRAS que são:até 2025 reduzir 37% suas emissões de gases de efeito estufa e em 43% até 2030. Lembrando que a quase totalidade de nossas emissões são causadas:
34% pela mudança de uso da terra – como desmatamentos, queimadas, com compromisso ousado de alcançar DESMATAMENTO ZERO NA AMAZÔNIA ATÉ 2030;
30% pelo uso de energia não renovável;
26% pela agropecuária;
9% pelas indústrias, resíduos etc.
Com vontade política, visão contemporânea e grande articulação/participação nacional mirando mais as novas oportunidades do que as dificuldades, todas as metas seriam factíveis. A nossa capacidade de fazer, de compatibilizar a defesa da natureza, da biodiversidade e o combate às mudanças climáticas com o desenvolvimento ficou patente quando tivemos crescimento do país em média de 3%, ampliação do agronegócio, estímulo e resposta exemplar da agricultura familiar e simultaneamente a redução em 80% do desmatamento da Amazônia. Idem, na formulação da consistente proposta AGRICULTURA DE BAIXO CARBONO, o Plano ABC (PLANO SETORIAL DE MITIGAÇÃO E DE ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS PARA A CONSOLIDAÇÃO DE UMA ECONOMIA DE BAIXA EMISSÃO DE CARBONO NA AGRICULTURA, contendo sete programas: Recuperação de Pastagens Degradadas; Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e Sistemas Agroflorestais (SAFs); Sistema Plantio Direto (SPD); Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN); Florestas Plantadas; Tratamento de Dejetos Animais e Adaptação às Mudanças Climáticas). Idem com programas como Municípios/Cidades Sustentáveis; com o estabelecimento de Compras Públicas com Critérios de Sustentabilidade e tantos outros projetos hoje no esquecimento ou sepultados. Quanto a energia suja que ainda utilizamos e que responde por 30% das nossas emissões, duas desatenções trágicas: 1ª – só com eficiência energética dá para reduzir 10% as emissões; 2ª – no emergir da era das energias renováveis e a extraordinário possibilidade do Brasil ser a maior referência mundial em energias limpas (solar, biomassa plantada, biomassa residual, eólica, hidroelétrica e outras), continua vigorando decisão do governo anterior e mantida neste de incentivar, “subsidiar” e facilitar ajuda de 1 trilhão de reais por 20 anos para as petroleiras e estrangeiras. São atitudes de subserviência, ausência de estratégia, de Projeto Nacional e ousadas políticas públicas e decisão de gerar cadeias de suprimentos para gerar mais e mais economia, empregos, renda, aumento do bem-estar, sociedade mais saudável e melhor futuro climático. Exemplo emblemático: o Brasil, único país-continente com sol o ano inteiro, tem hoje menos de 1% de solar do total da energia gerada e a maioria dos equipamentos importados. Idem, quanto a imensa geração de dejetos de suínos, aves, bovinocultura de leite, mais o lixo nosso de cada dia e resíduos industriais poderiam gerar, só no Paraná, energia para mais de 4,7 milhões de pessoas. Ademais, a Agência Internacional de Energias Renováveis – IRENA- mostra que podemos ter mais de 24 milhões de novos empregos até 2030 se a participação das renováveis alcançar 36% da geração mundial. Estamos diante de nova interseção entre geopolítica e energia, com novas dinâmicas que geram um novo paradigma de opções descentralizadas, de autogeração e geração distribuída, mais de pequena e média escala, sem os monopólios ou oligopólios nefastos para a inclusão social e produtiva, para o bem-estar para a paz, a democracia, a boa política, a economia descentralizada e sadia.
Por fim, agir como fizeram 8 ex-ministros de Meio Ambiente denominando de “estado desolador” o fato do atual Governo colocar em prática em pouco mais de quatro meses uma “política sistemática, constante e deliberada de desconstrução e destruição das políticas meio ambientais” implementadas desde o início dos anos de 1990, além do desmantelamento institucional dos organismos de proteção e fiscalizadores, com o Ibama e o ICMbio e da quebra do prestígio internacional do Brasil.
Agir, em defesa do que foi erigido durante décadas e décadas traduzido em várias decisões, legislações, normas, Acordo, Tratados e – em especial –no previsto na Constituição de 88 – obra histórica de milhões de brasileiros. Nossa Carta Magna, em diversos momentos consagra a sustentabilidade como um direito, construí-la é um dever constitucional inalienável. e intangível de reconhecimento da liberdade de cada cidadão, nesse status, no processo da estipulação inter subjetiva do conteúdo dos direitos e deveres fundamentais do conjunto da sociedade, sempre que viável diretamente.
Dimensão Jurídico Política
TÍTULO VII
DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA
CAPÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA
Art. 170.A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Inciso com redação dada pela EmendaConstitucional nº 42, de 2003); VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Incisocom redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Artigo 225 – parágrafos e incisos-, a começar pelo “caput”, segundo o qual “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”
§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
Unir força, agir, protestar, buscar a reversão do desmantelamento e do avanço do atraso. Há muito o que fazer. Começa por resistir. Lutar. Resgatar a esperança.
E tudo fazer, conforme sentencia a CARTA DA TERRA, para que “o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, pela intensificação da luta em prol da justiça e da paz e pela alegre Celebração da Vida.”
*Nelton Miguel Friedrich – Foi constituinte e membro da Frente Verde e da Frente Indígena, ex Secretário de Estado do Paraná, um dos criadores e coordenador por 20 anos do Programa Cultivando Água Boa da Itaipu Binacional, parceiros e participantes de várias Conferências da Organização das Nações Unidas – ONU.


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