O Museu Dra. Marta T. Schwarz – Anjo da Selva resgata a trajetória de uma das personalidades mais marcantes da Tríplice Fronteira. Cada objeto exposto no espaço, cada foto e cada texto permite uma verdadeira imersão na história da mulher que transformou Puerto Iguazú com sua dedicação.
Logo na entrada, um dos ambientes mais impactantes é a reconstituição do consultório médico. Ali, a maca, os instrumentos cirúrgicos e até o lavabo para mãos, introduzido na medicina por volta de 1850 como medida de prevenção, recriam o ambiente de trabalho de quem salvou tantas vidas. Na parede, diplomas e certificados revelam a dimensão da sua carreira e o reconhecimento que recebeu, como o título de Cidadã Honorária de Foz do Iguaçu, concedido em 1986.
Outro espaço exibe roupas, móveis e objetos pessoais de Marta. Vaidosa e sociável, ela gostava de se vestir bem e tinha uma vida social intensa, marcada também pelas viagens com amigos. Nessas andanças, sempre levava consigo sua máquina fotográfica, hoje preservada no acervo. Nesta sala, ainda é possível observar parte da estrutura original da residência, como a coluna construída com ladrilhos feitos em olarias locais — um testemunho da história da própria cidade.
Há ainda um espaço dedicado a depoimentos em vídeo de ex-pacientes, que emocionam ao mostrar o quanto Marta foi uma médica assistencial e profundamente ligada ao povo. Já a biblioteca da doutora, com livros, discos e móveis originais, hoje também abriga a equipe responsável por restaurar o acervo e preparar novas exposições.
O museu recebe grupos escolares, turistas e moradores, cumprindo o papel de manter viva a memória de quem marcou a identidade cultural da região.
O resgate da memória
A ideia de transformar a antiga casa da médica em museu surgiu em 2017, fortalecida pela criação da Direção de Patrimônio Histórico e Cultural de Puerto Iguazú, coordenada pela professora e historiadora Maria Esther Rolón. O trabalho de recuperação iniciou em 2019 e se estendeu até 2021, resgatando objetos e restaurando o imóvel que estava abandonado havia mais de uma década.
Pelo empenho nesse resgate, Maria Esther recebeu em 2023 o Prêmio Ángel de la Selva, concedido a mulheres da província de Posadas. A iniciativa também despertou o interesse da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), que incluiu a trajetória da médica no projeto “Biografías interculturales de frontera”, dedicado a registrar perfis de mulheres pioneiras na Tríplice Fronteira.
Hoje, o museu é mantido pela prefeitura de Puerto Iguazú e integra a Fundação Marta Schwarz, preservando não apenas a memória de uma médica visionária, mas o símbolo de uma mulher que se tornou lenda e inspiração para toda a região.
Marta Teodora Schwarz: a “mãe” da população iguazuense
Há quase 90 anos atrás, Puerto Iguazú não era tão falada como hoje. Não havia suas famosas feirinhas e nem era famosa pelos seus cardápios, pois nada disso existia.
Boa parte da população vivia em áreas rurais, e, devido a isso, a região que tinha apenas 5 mil habitantes, inaugurou seu primeiro hospital em 1947.
O primeiro hospital de Puerto Iguazú foi inaugurado no dia 4 de julho, mas não havia médicos, somente enfermeiros. Eventualmente, um médico de Posadas ia até a região para cuidar do povo. Porém, em 1948, uma jovem chamada Marta Teodoro Schwarz chega a localidade para ser a primeira médica fixa da região, despertando esperança em Puerto Iguazú que enfrentava uma difícil epidemia de malária e entre outras doenças.











Pioneira inspiradora da Tríplice Fronteira:
Marta Teodora Schwarz nasceu em Buenos Aires, capital argentina, no dia 8 de março de 1915, data que coincidentemente marca também o Dia Internacional da Mulher. Órfã de pai desde a infância, percorreu diferentes cidades em sua formação educacional. Concluiu o ensino médio em San Salvador de Jujuy, capital da província de Jujuy.
Anos depois, mudou-se para Córdoba, onde ingressou na Universidade Nacional de Córdoba, uma das mais tradicionais do país. Ali, integrou uma turma com poucas mulheres e se destacou pelo esforço e dedicação. Formou-se em Medicina em 1945, obtendo também especialização em puericultura e ginecologia. Além disso, conquistou títulos de médica cirurgiã e farmacêutica, consolidando uma formação ampla e pioneira para a época, quando a presença feminina na área ainda era rara. Posteriormente, com bolsa de estudo paga pela província de Misiones, aperfeiçoou-se em obstetrícia e ginecologia na Universidade Federal de Frankfurt, na Alemanha.
Por que “Anjo da Selva”?
Apesar da cena desagradável, a selva ao redor do povoado, as mordidas dos inúmeros animais da região e as incontáveis doenças que amedrontavam Puerto Iguazú, Marta não desprezava o povo, ela os tratava da melhor maneira possível. A jovem tratava dos doentes dia e noite, independente do clima, a médica estava lá. Todos para ela eram iguais, pobres, ricos, de distintas etnias, partidos políticos, recebiam o atendimento com carinho e muito profissionalismo.
Marta tratou a população, mesmo com a escassez de remédios, os riscos que ela sofria diariamente, o que fez com que passasse a ser conhecida como o “Anjo da Selva”. Durante os 40 anos em que esteve à frente da instituição, que hoje leva seu nome (Hospital SAMIC Dra. Marta Teodora Schwarz), nunca cobrou por nenhum remédio, reforçando sua missão de atender quem mais precisava.
Sua dedicação foi tão notável que chegou a ocupar cargos de grande importância: foi a primeira e única mulher a assumir a Subsecretaria de Saúde e o Ministério da Saúde Pública do estado de Misiones. No entanto, acreditava que a verdadeira medicina se praticava junto ao povo, e por isso decidiu deixar os cargos oficiais para se dedicar em tempo integral ao consultório.
Mesmo sem ter se casado ou tido filhos biológicos, Marta realizou mais de duas mil partos – dos quais mais de 500 crianças tornaram-se suas afilhadas. Assim, construiu uma grande família afetiva, sendo lembrada com carinho por várias gerações de moradores de Iguazú.
Seu trabalho foi amplamente reconhecido: foi declarada mulher ilustre da região trinacional, recebeu o Prêmio Alicia Moreau de Justo em 1986, ao ser incluída entre as cem mulheres mais destacadas da Argentina, além de outros reconhecimentos nacionais e internacionais ao longo da vida.
Com um coração gigante e uma paixão imensa pelo que fazia, Marta deixou um legado de humanidade, coragem e compromisso social. Hoje, é lembrada não apenas como a primeira médica estável da região, mas como uma verdadeira lenda de Iguazú, cuja memória segue viva na história da Tríplice Fronteira.















Texto originalmente publicado na Revista 100fronteiras, escrito por Anne Grellmann na edição 150, março/2018.


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