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Markson Silva, colaborador renomado do Grupo 100fronteiras, marcou presença no evento anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), conhecido por ser o maior encontro científico da América Latina.
A 75ª Reunião Anual da SBPC, organizada em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), acontecerá de 23 a 29 de julho de 2023, num formato híbrido que combina atividades presenciais e virtuais.
A programação do evento inclui uma série de conferências, mesas-redondas, painéis e webminicursos, além da notável sessão de pôsteres, que incorpora a Jornada Nacional de Iniciação Científica. Não apenas focada na ciência, também são realizadas outras atividades, como a SBPC Cultural e a SBPC Jovem e o Dia da Família na Ciência.
A edição deste ano teve como tema central “Ciência e democracia para um Brasil justo e desenvolvido”. Conseguimos uma entrevista exclusiva com a Secretária-Geral da SBPC, Cláudia Linhares Sales, que compartilhou insights sobre as inovações introduzidas na SBPC 2023.
Como você vê o panorama da ciência em 2023, depois de um momento de obscurantismo na produção, difusão e aceitação científica no Brasil?
Acabamos de terminar a conferência da ministra da Saúde, Nísia Trindade. Gostei muito da maneira como ela utilizou a expressão “otimismo cauteloso”, pois as inquietações são inúmeras. A ciência no Brasil, embora já tenha estado em melhores condições, nunca teve um financiamento adequado para seu pleno desenvolvimento. A luta pelo financiamento, pelos mecanismos e pelo fortalecimento das estruturas de pesquisa sempre foi uma batalha da SBPC.
No entanto, nos últimos quatro anos, não apenas a entidade não recebeu esse fortalecimento, como, ao contrário, houve subfinanciamento das universidades, negacionismo, anti-ciência e aviltamento dos professores, docentes e estudantes das universidades. Na verdade, retrocedemos algumas décadas em apenas quatro anos.
E hoje, como há diálogo, isso gera otimismo. O fato de a ministra da Saúde ter vindo falar de ciência na maior reunião de ciência da América Latina dá alento e abre o diálogo. É possível que o ministro da Educação venha, o que mostra uma disposição para o diálogo com essa comunidade. A própria ministra da Ciência e Tecnologia já inaugurou nossa reunião, mostrando-se disposta ao diálogo.
Nesta fase, ainda não há tempo para fazer tudo o que é necessário. Eles assumiram o governo há seis meses. Mas algumas ações muito importantes foram retomadas: o diálogo, o reajuste das bolsas de pesquisa e o financiamento para infraestrutura e pesquisa. A ministra anunciou R$ 3,6 bilhões para recuperação das infraestruturas das universidades e institutos de pesquisa. Então, ainda não estamos colhendo os resultados, mas espera-se que possamos sair aos poucos desse grande retrocesso.
No entanto, é preciso que a sociedade entenda que uma planta que se deixou de regar e que se começa a regar, não floresce da mesma maneira. A terra fica empobrecida, e sentimos isso. Hoje, os jovens não querem mais escolher a carreira científica, porque fazer ciência no Brasil é um ato de coragem.
E isso se refletirá nas demandas futuras também, o que é muito triste e nos deixa muito preocupados. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência expressa essa preocupação com o futuro da ciência no Brasil. Ao organizar uma reunião dessa magnitude, onde temos uma SBPC Jovem, que receberá a visita de mais de 16 mil crianças, alunos do ensino fundamental e básico, temos esperança nessas crianças, que elas tenham a oportunidade e desenvolvam o gosto pela ciência e a curiosidade científica. Esperamos que surja daí uma nova geração de pesquisadores. Isso é muito bom.
Como você e toda a comunidade enxergam hoje a possibilidade da ciência dentro da integração regional? Porque nós vivemos, nos últimos anos, um forte negacionismo das relações internacionais. Anteriormente, estávamos em um contexto de integração, com o fortalecimento do Mercosul e da UNASUL. Como podemos fortalecer a ciência brasileira, mas em parceria com nossos irmãos latino-americanos e caribenhos?
Agora… Tudo dependerá de uma vontade política. Já começamos a perceber essa vontade política aqui na SBPC; ouvi várias vezes, nessa reunião, coisas como fortalecer as secretarias regionais da SBPC e pensar na municipalização dessas secretarias do nosso lado científico.
Porém, do lado do Estado, ao analisar as atividades preparatórias da 5ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, que inclusive conta com o presidente desta comissão aqui também, ouvimos falar sobre o critério de desigualdade regional apontado e sobre a difusão da ciência na busca por diminuir essas assimetrias.
Porém, do lado do Estado, ao analisar as atividades preparatórias da 5ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, que inclusive conta com o presidente desta comissão aqui também, ouvimos falar sobre o critério de desigualdade regional apontado e sobre a difusão da ciência na busca por diminuir essas assimetrias.
Foto: Markson Silva
Nós, que fazemos parte da UNILA, a Universidade Federal de Integração Latino-Americana e Caribenha, vivenciamos a integração latino-americana e enfrentamos um problema que é a evasão, tanto por questões de permanência quanto por questões de bolsas para o financiamento de pesquisa. Hoje, podemos ter alguma noção de que chegarão recursos para o financiamento direto ou indireto dos estudantes?
O que posso compartilhar é que as fundações de amparo aos estados, como a Fundação Araucária no Paraná e a FAPERGS no Rio Grande do Sul, têm um movimento consistente para tentar descentralizar os recursos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Há uma pauta para descentralizar esses recursos e irrigar os próprios estados. Então, neste movimento político de descentralização dos recursos do FNDCT, é possível que consigam implementar políticas que alcancem todos os estados e as universidades do interior.
Concordo com você, não se trata apenas de abrir uma universidade, é necessário fornecer condições para as pessoas realizarem ciência lá, e isso implica em financiamento. Essa é uma questão de bolsas, condições de trabalho e política de Estado – política que vai além do governo federal, incluindo também o governo estadual, pois uma universidade no interior promove desenvolvimento para o estado, é notório.
Para concluir, uma última pergunta: como a SBPC promove atualmente a participação de negros, negras, indígenas, pretos, pardos e quilombolas, não apenas para se inserirem, mas para garantir que possam produzir uma ciência capaz de mudar de fato a história do país?
A SBPC, de fato, há mais de uma década, tem realizado ações para a inclusão de mulheres. Temos o portal Mulheres na Ciência, o Prêmio Carolina Bori que visa prestigiar as mulheres e as meninas na ciência, e nosso conselho até aprovou um prêmio para a premiação de cientistas negros, que era para ter sido entregue agora, mas talvez no próximo ano consigamos fazer, pois demanda muito trabalho.
Mas temos aqui, em nossa reunião anual, um ciclo de palestras e conferências Afro e Indígena, que é construído pelos pesquisadores negros e indígenas das comunidades científicas afiliadas. Até temos em nosso site um documento chamado “Circuito da Diversidade”, com toda uma programação sobre esses temas de inclusão da diversidade na ciência brasileira.
Então, isso certamente é tema da SBPC, e vamos continuar trabalhando por isso, pois, como o próprio nome diz, somos uma sociedade para o progresso da ciência, e isso não existe apenas com um grupo de pessoas, mas como uma questão muito ampla de toda a sociedade.
Quem é Cláudia Linhares Sales?
Foto: Cláudia Linhares Sales
Claudia Linhares Sales é a atual secretária-geral da SBPC, eleita pela gestão 2021-2023. Possui mestrado em Engenharia de Sistemas e Computação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990) e doutorado em Informatique – Recherche Operationnelle – Université de Grenoble I (Scientifique Et Medicale – Joseph Fourier) (1996).
Fez pós-doutorado no INRIA/Sophia-Antipolis, França, em 2006/2007 e na Simon Fraser University, em Vancouver, no Canadá, em 2015/2016. É professora titular da Universidade Federal do Ceará (UFC). Entre 2010-2011 e 2012-2014, ocupou o cargo de diretora científica da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap)
Na 75ª Reunião Anual da SBPC, o Grupo 100fronteiras fala em entrevista exclusiva com a Secretária-Geral da SBPC, Cláudia Sales.