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Imagine uma cidade no meio da selva, sem infraestrutura alguma. Puerto Iguazú era assim na década de 40, quando tinha menos de cinco mil habitantes e a escassa população vivia de plantações em chácaras. A cidade era cheia de bichos: cobras, onças, tarântulas… Não havia hospital, e grande parte dos moradores sofria com a malária. Quando alguém adoecia era preferível ficar – talvez morrer – em casa a sair com os animais soltos por lá.

A médica Marta Schwarz, a "Anja da Fronteira", ícone da saúde, na década de 50
A médica Marta Schwarz, a “Anja da Fronteira”, ícone da saúde, na década de 50. Foto: Acervo da Fundación Dra. Marta Teodora Schwarz.

O primeiro hospital da fronteira foi inaugurado no dia 4 de julho de 1947, mas havia somente enfermeiros. De vez em quando vinha um médico de Posadas – capital da província de Misiones – para cuidar do povoado.

A história da cidade muda quando uma jovem chamada Marta Teodoro Schwarz chega em 1948, acompanhada de sua mãe, para ser a primeira médica fixa da região. Começa ali a esperança em Iguazú.

Marta no jardim do hospital de Puerto Iguazú.

Uma supermulher

Martha nasceu em Buenos Aires – capital argentina – no dia 8 de março de 1915, no Dia Internacional da Mulher. Concluiu o ensino médio na cidade de São Salvador de Jujuy – capital da província de Jujuy. Mas foi em Córdoba – capital da província homônima – anos depois que a então jovem se formou na Universidade Católica, obtendo os diplomas de: médica, especialista em pediatria, médica cirurgiã e farmacêutica.

Dizem as histórias que, antes de Iguazú, a médica teria ido para Misiones porque quando estava no quarto ano da universidade conheceu um estudante também de Medicina chamado Rolandelli, que disse: “Vou abrir caminho para a gente”. Ele foi para Misiones, e ela o seguiu ao formar-se, porém, conforme contam alguns, quando ela chegou ele estava noivo de outra mulher. Acabou ali a quase história de amor com o rapaz. O amor eterno seria somente por sua mãe e pela população da região trinacional.

Marta e sua mãe na casa de Puerto Naranjito, Misiones, 1948.

Virando a “mãe” da população

O que mais assustou Marta quando chegou por aqui, à floresta, foi a malária e as mordidas de cobras. A maior parte de quem vivia na região tinha a doença, sendo raro quem se salvava.

Humanista, a médica tratava todo mundo com amor e carinho. Não tinha preguiça, e sim amor ao que fazia. Trabalhava no almoço, madrugada, em tempestades. Veio para revolucionar a saúde pública e as pessoas da região. Todos para ela eram iguais, pobres, ricos, de distintas etnias, partidos políticos, nada nem ninguém era tratado diferente.

Na época, não existia nenhum médico em Foz do Iguaçu nem em Presidente Franco. Marta então passou a atender nesses locais os pacientes que estavam muito doentes e não conseguiam ir à Argentina. Ela atravessava de bote, andava a cavalo pelo mato, saía sem medo mesmo com os vários bichos que habitavam a fronteira.

Marta explorando nas Cataratas do Iguaçu.

Grupo de enfermeiros e Marta.

Amigos da “mãe” de Iguazú

Tiburcio Alonzo, hoje com seus 81 anos, chegou a Iguazú em 1952, para jogar futebol a convite de um senhor que era presidente do clube da cidade, chamado Don Pancho. Tiburcio lembra que conheceu Marta por meio de amigos em comum.

A doutora, conforme conta, começou a queixar-se de que não havia enfermeiros suficientes para os turnos no hospital, e ele resolveu então estender a mão para ela e a ajudar.

Ele revela que Marta, sozinha, conseguiu com o ministério fazer uma escola de enfermeiros, pois não havia profissionais para todos os turnos. Sete mulheres e um homem foram até Posadas para cursar a parte prática. Assim, em 1954, havia mais oito enfermeiros em Iguazú, e a equipe médica estava completa. Até então no hospital havia só atendimentos de emergência, consultas rápidas e suturas.

“Aqui era uma selva, um porto somente do Parque Nacional. Ela era corajosa, cuidava, curava, atendia o parto na casa das pessoas com um lampião, pois não havia energia elétrica. Salvava a vida das mães e das crianças. Era madrinha de todas as que nasciam”, relembra Tiburcio.

O argentino não se esquece do ano de 1955, quando o então presidente Juan Domingo Perón foi deposto. Tiburcio era peronista, e o Exército o capturou. Marta logo ficou sabendo e o internou para salvá-lo da prisão.

Tiburcio Alonzo.

Religiosa

Há quem diga que ciência e fé não se misturam. Para Marta, misturavam-se – e            muito. Extremamente católica, sempre carregava um relicário e a palavra de Deus para os pacientes. Quando ela via que não tinha mais jeito, pedia para os enfermeiros ajoelharem e rezarem pelas pessoas.

Por volta de 1960, uma tempestade destruiu a igreja de Puerto Iguazú. Marta criou um espaço para colocar os santos no hospital, e o templo religioso passou a ser lá, por aproximadamente seis anos, até que fizeram outra igreja – inclusive teve até casamento no local, e o de Tiburcio foi um.

Marta e sua mãe Frau Marta de Schwarz em frente à casa delas em Puerto Iguazú. Hoje é a Casa Museu “A Anja da Selva”.

Uma vida pelo povo

A dra. com a primeira ambulância de Puerto Iguazú.

Marta foi a primeira e única mulher médica subsecretária da Saúde e ministra da Saúde pública do estado de Misiones, em julho de 1963, ficando no cargo até outubro do mesmo ano.

Decidiu então retirar-se de seus cargos oficiais e passou a dedicar-se ao povo em tempo integral no consultório. Marta acreditava que sua profissão não poderia ser exercida atrás da mesa de um escritório.

Representou a Argentina e os países da Tríplice Fronteira na ONU e OEA. Com bolsa de estudo paga pela província de Misiones, aperfeiçoou-se em obstetrícia e ginecologia na Universidade Federal de Frankfurt – Alemanha.

Foi declarada uma mulher ilustre da região trinacional. Ainda recebeu o Prêmio Alice Moreau de Justo em 1986, sendo uma das cem mulheres de maior destaque na Argentina.

Nunca namorou, casou nem teve filhos de sangue, porém fez o parto de mais de duas mil crianças – das quais mais de 500 viraram afilhadas. Marta se tornou uma lenda em Iguazú.

Durante os 40 anos em que esteve à frente como diretora do hospital, que hoje leva seu nome (Hospital SAMIC Dra. Marta Teodora Schwartz), nunca cobrou por nenhum remédio.

Um coração gigante e uma paixão enorme pelo que fazia, pode-se dizer que foram as principais características da primeira médica estável da região. Hoje, com certeza, a “anja” descansa em paz.

Em memória de Marta Teodora Schwartz

8 de março de 1915 -> 29 de março de 2005

In memorian.

1915 – Nasce em Buenos Aires, Argentina.

1920 – Inicia o ensino fundamental em Buenos Aires.

1927 – Inicia o ensino médio em São Salvador de Jujuy.

1935 – Finaliza o ensino médio no Colégio Nacional.

1945 – Forma-se médica na Universidade Nacional de Córdoba.

1948 – Vai para Puerto Naranjito, onde começa a carreira na medicina.

1949 – Pede transferência para Posadas para trabalhar como médica interna do hospital local.

1949 – É transferida para Puerto Iguazú e assume o hospital da cidade.

1963 – Assume o cargo de ministra da Saúde, Cultura, Educação e Ação Social do estado de Misiones.

1986 – Recebe o Prêmio Alicia Moreau de Justo por ser uma das cem mulheres que fizeram alguma coisa importante pelo país.

1986 – É declarada cidadã honorária da cidade de Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil.

1999 – Recebe prêmio da ONU pela trajetória.

2001 – Recebe o Prêmio Hipócrates da Universidade de Buenos Aires como médica destacada na assistência rural.

2005 – Falece em Puerto Iguazú no dia 29 de março.

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