Matéria publicada originalmente na edição de março de 2014 da Revista 100fronteiras. 

“Minha avó, que nasceu no mar, foi ela quem trouxe muito da tradição cristã para cá, ela teve a primeira árvore de natal, fez as primeiras festas, como a páscoa, tudo da tradição alemã”

Com 81 anos, Irma é testemunha ocular de grandes mudanças em Foz do Iguaçu, sentar-se ao lado dela e ouvir as histórias do passado é como ler um livro, virando cada página.

Descendentes de imigrantes da Alemanha e da Polônia, desembarcaram no Paraná, em direção a Curitiba. Na viagem, Rosa Pligick, a avó de Dona Irma, nasceu em alto mar, algo muito comum na época, devido às longas jornadas.

“Minha avó, foi quem trouxe muito da tradição cristã para cá, ela teve a primeira árvore de natal, fez as primeiras festas, como a páscoa, tudo da tradição alemã”.

Dona Rosa, vó de Irma tirando leite, em 1910
Aproximadamente 1910, Dona Rosa, avó de Irma (que nasceu em alto ar), tirando leite.

O primeiro a chegar à Foz, no ano de 1908, foi o avô de Dona Irma, Augusto Werner. Um ano depois, ele trouxe a família. Ottília Ignez Werner Friedrich, a mãe de Irma, estava com cinco anos de idade. O tio, José Werner, foi o sétimo prefeito da cidade, tomou posse em 1931. A família mudou-se para ao Brasil à procura de um lugar sossegado para viver, que tivesse muito verde, longe das grandes cidades.

Um dos locais mais conhecidos em Foz pertenceu à família Friedrich, o terreno onde, futuramente, seria construída a Catedral. Ali, a mãe de Irma brincava com os irmãos, sem saber que um dia se tornaria um santuário.

“Minha mãe dizia que a natureza era marcante no centro, era possível ver veados, capivaras, até onças passavam por lá. Em vez do barulho dos carros de hoje, ouvia-se o som dos pássaros e insetos”

O pai, Hermann Friedrich, veio à Foz e viu que aqui era uma colônia militar e ofereciam terras aos novos moradores, “meu pai disse para meu tio, que no Rio Paraná dava para pescar peixes do tamanho de um homem, hoje não se deixa crescer assim”.

Em 1909, a família Friedrich mudou-se definitivamente para cá, a viagem não foi nada confortável e rápida, como hoje. Foi um mês de carroça e cavalo, de Curitiba até Foz, numa estrada precária, “em alguns pontos só tinha um caminho estreito”.

Dona Irma tinha três irmãos e cinco irmãs, todos moraram no terreno da Igreja Matriz, o precioso espaço foi dividido em três lotes, o pai de Irma, ficou com a parte onde está o prédio da Catedral. “Dizem que foi o prefeito Jorge Schimmelpfeng que cedeu o terreno para a igreja, mas foi a minha família, já discutimos muito sobre isso e estamos cansados disso”.

Mesmo tendo recebido terras dos militares, eles não se tornaram agricultores, plantavam pouco, só para comer, o pai de Irma foi pedreiro, carpinteiro e mecânico, “meu avó era ferreiro e fazia chapa de roda de carroça, ferradura de cavalo, mas não tinha muito serviço, meu pai aprendeu muito com ele”.

Com pouco serviço de mecânico na vila, ele usava o carro (popularmente conhecido como “pé de bode”) para levar turistas às Cataratas do Iguaçu, o irmão dele, José, chegou a levar um ilustre visitante para conhecer as quedas: Santos Dumont.

Hermann com turistas
Década de 30, Hermann com turistas. Foto: Arquivo pessoal.

Jorge Schimmelpfeng teve o primeiro carro, depois a família Schinke, o terceiro pertenceu ao pai de dona Irma.

“Em 1924, os revolucionários pediram o carro emprestado, dizendo que devolveriam, mas nunca mais o veículo foi visto”.

A cidade, na época, era simples e pacata, não havia hospital, uma das doenças mais temidas na década de 20 era a malária. “O senhor Schinke, mesmo sem ser médico, vacinava as pessoas e tratava de algumas doenças, só depois, surgiu a primeira farmácia”.

Como não tinham hospitais, as mães davam à luz em casa, tinham os filhos na sala ou no quarto, com a ajuda de uma parteira, nada de cesáreas. O risco de infecção e problemas na hora do parto eram altos, ao contrário de hoje, que é em uma sala de cirurgia com médicos em volta de uma cama limpinha.

Não havia muitas parteiras na vila.

“Quando nasci minha mãe escolheu a Dona Vicentina como parteira, pois, ninguém quis outra, que era conhecida como ‘Maria suja, o nome já dizia tudo, eu nasci na sala de casa mesmo”.

O pai de Dona Irma morreu precocemente, aos 35 anos de idade, deixando a mãe com oito filhos, “ela teve que lavar roupas no Rio Boicy e vender leite para sustentar a família sozinha”.

Quando criança, diz que luz elétrica era à motor, mas poucos podiam pagar pelo serviço. Usavam um apito para avisar a hora em que o motor iria desligar, a empresa chamava-se “Força e Luz”, e fazia muita fumaça na pequena vila militar.

Durante a revolução, eles foram proibidos de falar qualquer língua estrangeira, muitas famílias tiveram que sair de Foz devido à perseguição, mas a família Friedrich conseguiu ficar, “minha mãe só falava alemão com a gente, mas quando a revolução terminou, ficou só o português, apenas minha irmã mais nova, não falava alemão”.

A pioneira foi uma criança muito frágil e tinha dificuldades em ir à escola, estudou no Colégio Mitre até o primeiro ano, “diziam que eu tinha depressão, por ter perdido meu pai tão cedo e, por isso, adoecia muito”.

Como ficou sem pai, ainda muito nova, seu avô foi sua imagem paterna, “ele adorava os netos. Na páscoa fervia ovos de galinha em erva mate, até ficarem verdes, depois colocava em ninhos e nos presenteava, era maravilhoso”.

Apesar de ter sido uma pessoa muito doente, Irma, hoje com mais de 80 anos de idade, é a mais forte dentre os irmãos. Uma curiosidade é que ela nunca usou calça comprida, o pai havia ensinado ela e as irmãs a não usarem e, também, a não andar de bicicleta, pois, era algo feio para as moças.

Como foi criada assim, é a única, entre as irmãs, que manteve o ensinamento do pai. A mãe, Ottilia, morreu em 1999, com 95 anos, era uma guerreira, trabalhou muito.

Casamento de Irma

Ela conheceu o marido através do cunhado, quando Orestes Taffarel veio visitar a família Friedrich, conheceu Dona Irma e logo a pediu em namoro. Após seis meses, casaram-se, “eu já tinha idade, estava com 24 anos, estava mais do que na hora de me casar”.

O casamento foi na igreja e não houve viagem de lua-de-mel, não era comum viajar e, sim, caro, poucos tinham dinheiro e coragem de passar dias nas estradas, que eram precárias. Dois meses após o casamento, ficou grávida.

O marido trabalhou como carpinteiro, construía estradas e ajudou na construção do Colégio Agrícola, depois, abriu uma sorveteria e bar, chamado “Bar e Sorveteria Taffarel”, em 1963, que ficou muito conhecido na cidade; a filha de Hittler, Nora Daisy, frequentava o local.

A sorveteria foi adquirida com a ajuda do cunhado, que era sócio do Sr. Orestes, e pagaram aos poucos. Um dos incentivos para abrir o comércio, foi a grande procura por gelo, pelos paraguaios.

Em seguida comprou máquinas para fabricar picolés, “muitos vendedores que andavam pela cidade, eram muito jovens e, enquanto esperavam pelo produto, brincavam com meus filhos no vasto terreno, nossa casa era nos fundos”. Após um tempo, permaneceu só a sorveteria, que passou a vender produtos de fabricação e embalagem, a freguesia paraguaia era forte.

O Sr. Orestes adoeceu, ficou 10 anos doente, parou de trabalhar e, após, a morte, os filhos não deram continuidade à empresa, fecharam-na e passaram a viver do aluguel do ponto e de outros rendimentos.

Com um grande quintal em casa, eles plantaram árvores frutíferas e muitas flores, “a nossa casa estava sempre cheia, em dias de finados os parentes apareciam para pegar flores no meu jardim, só não ajudavam no plantio”.

Para Irma, Foz era melhor antes, menos violenta e afirma que o contrabando estragou a cidade, “antes, se dormia de janela e porta aberta, hoje, nem fechada está seguro, os ladrões dão jeito e roubam, assim mesmo”.

A pioneira tem um sonho: ver os nomes da mãe e avó em uma praça, escola ou rua da cidade, pois elas fazem parte da história de Foz do Iguaçu.

A família Friedrich já tentou fazer esta homenagem, a irmã de Dona Irma, Elfrida Friedrich Tavares, viveu nove anos após a morte da mãe e esperou para ver a homenagem, que não aconteceu. A família não se conforma em ver tantas ruas com nome de gente que não teve nada a ver com a construção da cidade, “vejo até nome de estrangeiros, que não tiveram vínculos e nem derramaram suor aqui.”

Cataratas do Iguaçu, década de 30
Cataratas do Iguaçu, década de 30, motorista (primeiro da direita), pai de Dona Irma, Sr. Hermann.

Linha do Tempo

1908 – Augusto Werner (avô de Dona Irma) chega à Foz.

1909 – A família Friedrich muda definitivamente para Foz do Iguaçu.

1924 – O carro (“pé de bode”) é levado pelos revolucionários.

1922 – Harry Schinke chegou à Foz, para medicar a população.

1931- José Werner tor na-se prefeito de Foz.

1939 – Falecimento de Hermann Friedrich.

1956 – Casamento.

1956 – Nascimento de Rose Ottília.

1958 – Nascimento de Maria Cristina.

1961 – Nascimento de Paulo Henrique.

1963 – Inauguração da Sorveteria.

1965 – Nascimento de Pedro Augusto.

1967 – Nascimento dos gêmeos: Luiz Alberto e Andre Luiz.

1988 – Falecimento do esposo de Dona Irma, aos 59 anos de idade.

1991 – Mudança para a Vila Yolanda.

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