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Matéria publicada originalmente na edição 96 da Revista 100fronteiras, setembro de 2013.

Dona Antonia Sontag, 71 anos, conhece cada canto da cidade de Foz do Iguaçu. Ela é testemunha ocular das mudanças mais significativas na cidade. Um testemunho de vida, uma pessoa que foi escolhida para morrer, mas a vontade de viver prevaleceu.

Ela nasceu em Foz do Iguaçu, filha de argentinos natural de Posadas, que se mudaram para Foz na revolução de 1924. Família humilde e simples tirava o sustento da agricultura. O nascimento de Dona Antonia foi um drama considerado um milagre.

Ela diz que antes de nascer a mãe sofreu 4 dias e 4 noites, até que a parteira deu a triste notícia para o pai dela: ele tinha que escolher se a esposa ou a filha iriam viver devido às complicações do parto. Com profunda tristeza, ele fez a difícil escolha de salvar a esposa, pois sabia que poderia ter mais um filho depois.

No momento em que a parteira se posicionou para puxar o bebê e matá-la, dois médicos apareceram do nada e interromperam o ato. “Isso foi raro para um lugar tão pequeno como Foz, que não tinha nada de bom pra saúde publica em 1942”, lembra Dona Antonia. Eles aplicaram duas doses de uma injeção na mãe para fazer uma última tentativa de salvar a criança, e milagrosamente mãe e filha escaparam da morte.

A partir da década de 40, a população brasileira deu um grande salto no número de habitantes, resultado de melhorias na qualidade de vida, controle de doenças, avanços na medicina, melhora na higiene pública e redução da mortalidade infantil. Mas esse bom resultado demorou ser a realidade no interior.

Quando Antonia tinha 6 meses de idade, a morte tentou mais uma vez. Um carro desgovernado invadiu a frágil residência de madeira, jogou a mãe para um lado e o bebê caiu embaixo do assoalho. No impacto, dois pregos furaram o rosto da pequena Antonia, que esperou quatro horas até a remoção. O susto foi grande, e a morte perdeu de novo, os pregos não atingiram as partes vitais da cabeça. As cicatrizes ainda podem ser vistas no rosto da guerreira.

Ela só estudou até o primário na escola Bartolomeu Mitre. Na época, o pai só queria que ela trabalhasse ajudando a família, e isso a tirou dos estudos, enquanto a mãe costurava para ajudar na renda. Quando o pai trabalhava na roça, ele sempre trazia algo para casa, eram três pedaços de bolo para os filhos, ela diz que eles esperavam até 23 horas para ele trazer a guloseima que comprava no boteco, às vezes adquiria vinho. Isso ficou gravado na memória dela.

Sempre moraram em Foz do Iguaçu, “Eu vi a cidade crescer”, conta orgulhosa. Em uma das fotos nesta matéria, ela está andando a cavalo com as primas que visitavam a cidade, o passeio foi na avenida Brasil, algo impossível de ser feito hoje, pois passar de carro já é um estresse. Ela lembra que Foz era só mato, o lugar que cresceu hoje está coberto pela inundação feita para construir a Itaipu, chamava-se Bela Vista.

Passeio a cavalo na Avenida Brasil em Foz do Iguaçu
Passeio a cavalo na Avenida Brasil com as primas que visitavam a cidade. As pessoas na época não ligavam muito para as Cataratas, existiam outras atividades alternativas.

O transporte mais usado na época eram as carroças, eles levavam três horas do lugar onde moravam até o centro. Após um período, dona Antonia foi morar no terreno de um tio muito próspero na região. “Tio Gregório era dono de grande parte da cidade”, afirma.

Quando saíam de casa, eles passavam pelo meio do matão, Com boa memória, ela diz que a única pessoa que tinha carro era Seu Saulo Ferreira, o curioso é que muitos pioneiros de Foz andavam na cidade a cavalo e chegaram à cidade montados.

Foz só tinha um clube, o Oeste Paraná Clube, “As ruas eram muito feias, e para ir ao clube, tínhamos que calçar um sapato qualquer e levar o da festa em sacolas para trocar quando chegássemos à porta do clube. Usávamos sapatos de salto alto”, recorda. Ela teve mais dois irmãos, Antonio e Lori, todos moram em Foz. Eles trabalhavam na lavoura com o tio.

Com 16 anos, ela frequentava bailes dançantes, e como era católica praticante, não dançava em fenados religiosos. A devoção era importante para ela. Para ajudar os pais, ela passou a trabalhar fora. Um dos primeiros empregos for como vendedora na Casa das Fábricas, uma loja de roupas prontas com muitos clientes do Paraguai e Argentina. Ela tinha 17 anos de idade.

Lembra que já com 18 anos visitou as Cataratas do Iguaçu, e como as ruas estavam melhores, eles iam de carro e demoravam horas para chegar, tudo era por meio do mato, com lama ou poeira. Ela diz que lá a vegetação era rica em bambu.

Foz tinha o Cine Star, lugar que frequentavam quando saíam de casa nos fins de semana. Usavam joias e tudo que tinham direito. sem medo de assaltos.

“A tranquilidade era grande, o perigo, só os bichos do mato”.

Outra grande fonte de lazer foram os rios locais, que serviam para refrescar no verão.

“Era um grande evento, às vezes tinha música e diversão, e não paravam só em um rio, mas em vários”.

O casamento

Conheceu o marido no carnaval, ela saiu de um clube e foi pra outro, lá eles se encontraram, passaram pouco tempo juntos, e depois o locutor de radio sumiu, lembra Dona Antonia. Depois da quaresma, o baile da Páscoa, que era algo bem chique, com orquestra de fora e tudo, ela o reencontrou (o radialista), e quando a música parou ele perguntou se podia dançar com ela.

Dona Antonia não tinha ido muito com a cara dele no início, mas dançou. Depois de um tempo, começaram a namorar, noivaram por 8 meses e depois se casaram em 1965. Ela casou com o primeiro namorado e para a lua de mel, embarcaram no Aeroporto Militar no centro de Foz.

Seu Olido, o marido, chegou a trabalhar em uma madeireira que transportava toras para a Argentina. Eles moravam perto do Marco das Três Fronteiras, sendo ele um dos diretores. Ela lembra que Olido chegava em casa com o cabelo duro de tanta poeira, devido à precariedade das estradas da época. O rio próximo da casa ajudava no transporte da mercadoria do próspero empreendimento.

Quando tiveram o primeiro filho, em 1963, parecia que a morte estava ganhando a batalha. Ela teve complicações no parto, que a colocou entre a vida e a morte. Chegou até a perder a consciência, mas ressurgiu e escapou da morte. Dona Antonia diz que Deus a guarda.

Uma das primeiras agências de turismo da Foz pertenceu a Seu Olido, a ABC turismo. Com o crescente fluxo de turistas na cidade e as melhorias nas ruas, eles cresceram ainda mais, “foi um momento muito diferente dos tempos que eu morava com meus pais, eu tinha a melhores joias, empregados e tudo”, lembra.

Dona Antonia diz que mesmo com a prosperidade crescente, a cidade não era atraente. Com a construção da Ponte da Amizade, melhorou um pouco. “Eu ainda atravessei a ponte para visitar as vilas vizinhas quando era só madeira”, diz. Ela conta que o ápice do crescimento de Foz do Iguaçu foi a união do Paraguai com o Brasil na construção da Hidrelétrica de Itaipu.

A fé

Ela era muito católica, dizia que nasceu católica e que iria morrer católica. Frequentava a associação Santa Rita, ajudando os pobres. Uma vez ela foi num culto em uma igreja evangélica com a neta e uma amiga, era dia de Santa Ceia e o pastor disse que todos poderiam participar, até as crianças. Ela achou isso muito estranho pois aprendeu que as crianças não poderiam participar e só se toma Ceia depois da primeira comunhão.

Dona Antonia proibiu a neta de participar da Ceia e não gostou da situação que mais tarde gerou confusão na cabeça dela, pois o pastor tinha dito que Jesus disse:

“Naquele momento, foram-lhe trazidas crianças para que lhes impusesse as mãos e fizesse uma oração. Os discípulos, porém, as repreendiam, Jesus, todavia, disse: “Deixai as crianças e não as impeçais de vir a mim, pois delas é o Reino dos Céus. Em seguida impôs-lhes as mãos e partiu dali” Mateus 19:13-15.

Em uma sexta-feira santa, ela teve um sonho que estava sendo batizada no meio do mato com águas cristalinas. Foi nesse momento que ela diz ter tido um contato com Cristo. No mesmo dia as vizinhas que há muito tempo compartilhavam a fé com Dona Antonia, a convidaram para ir a uma igreja para assistir a um batismo de alguns membros. Ela aceitou e gostou da palavra do pastor.

Ela ouviu o pastor dizer que Jesus falou da casa do Pai que ta muitas moradas, ficou curiosa e perguntou para a vizinha evangélica como ir para casa do Pai. Ela disse que teria que aceitar verdadeiramente a Cristo, Dona Antonia analisou toda a vida que tinha e os livramentos que Deus a deu e aceitou ser batizada. Ninguém da família a contrariou com a mudança. A adaptação foi lenta, mas ela buscou a Deus e o encontrou.

Dona Antonia diz que a história da família é como a de Jô – personagem bíblico que perdeu tudo em prova da fé – e depois recebeu em dobro.

O marido trabalhou até no ramo de imóveis e ganhou dinheiro, mas uma doença que durou 20 anos até a morte em 1990 levou também tudo o que eles construíram na vida. Dona Antonia voltou à estaca zero e sem o marido do lado. Para sobreviver, ela trabalhou muito em cantina em várias escolas de Foz.

O que ela sente falta dos velhos tempos é a convivência com os parentes. Antes eles eram unidos, hoje só se encontram em velório, e todos moram próximos. Ela tem saudades da mesa cheia no almoço de domingo. Para ela hoje a cidade está melhor, mas muito violenta.

Curiosidades

Para assistir às Copas do Mundo eles iam para Cascavel, pois não tinham TV. Quando queriam ver filme e jogo viajavam três horas sem asfalto.

“Era só buraco e poeira, na chuva só se via lama, e as vezes não dava para ir.”

Quando conheceu o marido, ele fazia dos programas de rádio, eram rádio-novelas. Seu Olido fazia todos os efeitos especiais dos programas, eles reproduziam o som de tudo, de avio, cavalo, trovão. Um dia um rato fez ninho na maleta que ele guardava as gravações, tudo se perdeu, ele ficou arrasado, pois todo o trabalho tinha virado cama de rato.

As novelas chamavam-se: O vento Levou e O lírio dos Campos. Como Olido fazia o programa de rádio, era um homem famoso em Foz onde chegava e chamava a atenção.

Depois da morte do marido, ela teve chances de se casar novamente, mas decidiu ficar só. Seu Olido deixou bons ensinamentos de uma pessoa sincera e justa aos filhos, que são o maior tesouro de Dona Antonia.

Trabalho social

Hoje ela trabalha junto com um grupo da PIB (Primeira Igreja Batista) em Foz, no presidio 2 e no presídio feminino com 80 detentas também no pais vizinho. São quatro pessoas no grupo que também visitam o Paraguai. Quando estão em contato com as presidiárias, elas não levam joias e nada que possa ostentar.

“Hoje eu morri para o mundo, e vivo para Cristo.”

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