Walkênia Mendes, oriunda da comunidade de Tabatinga, no Amazonas, é um dos destaques entre os 114 indígenas do povo Ticuna que se tornaram acadêmicos na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) em Foz do Iguaçu. Em sua terra natal, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, cursos como o de Serviço Social são apenas ofertados por instituições particulares e à distância.

Porém, foi na UNILA que Walkênia, e muitos como ela, encontraram a oportunidade de cursar o ensino superior presencial. Os Ticunas, o povo indígena mais numeroso da Amazônia brasileira, são também a maior representação indígena na universidade. De fato, a instituição hoje acolhe estudantes de 28 diferentes povos indígenas, originários de 8 nacionalidades distintas.

A porta de entrada principal para estes estudantes é o Processo Seletivo Indígena (PSIN). Diferentemente de outros vestibulares, o PSIN da UNILA é 100% online e baseado nas notas do Ensino Médio, o que valoriza o conhecimento e as práticas das escolas indígenas.

Desde sua implantação em 2019, o PSIN permitiu que o número de estudantes indígenas mais que dobrasse na universidade, alcançando atualmente 153 alunos. Patrícia Queiroz, da Comissão de Acesso e Permanência dos Povos Indígenas da UNILA, destaca a importância do programa:

Hoje, a UNILA possui um sistema que facilitou o acesso de indígenas que, de outra forma, jamais conseguiriam se juntar a nós.

Além dos Ticunas, outros povos estão representados na UNILA, como os Guaranis, Nasa, Kichwa, e muitos outros. Yanderi Josefina Fernandez Hernandez, da primeira turma do PSIN e pertencente ao povo Wayuu, é um exemplo de como a universidade se tornou um polo de atração para indígenas de diversos países da América Latina.

Originária da Colômbia, Yanderi buscou na UNILA uma formação que lhe permitisse enfrentar desafios ambientais em sua região natal, como o acesso à água, agravados pelas mudanças climáticas. Ela vê o ensino superior como uma chance de desenvolver e beneficiar as comunidades indígenas no futuro.

O compromisso da UNILA em prover educação de qualidade e acessível a comunidades indígenas mostra-se essencial para a formação e capacitação desses grupos, garantindo a eles um futuro mais promissor e atuante no cenário nacional e internacional.

Foto 02 - Yanderi Josefina Fernandez Hernandez é a única estudante da UNILA pertencente ao povo Wayuu
Foto 02 – Yanderi Josefina Fernandez Hernandez é a única estudante da UNILA pertencente ao povo Wayuu

A integração como experiência cotidiana

Mas desenvolver um processo seletivo que permita o acesso de indígenas de diferentes localidades não é suficiente para garantir a permanência desses estudantes na Universidade.

Por isso, a UNILA criou programas de monitoria especializados para indígenas e também para estudantes refugiados e portadores de visto humanitário. Atualmente, são 20 bolsistas que atuam em três frentes de trabalho – Letramento acadêmico e Inclusão Digital; Bilinguismo e Matemática Básica. Além disso, existem esforços de docentes e das coordenações de cursos de entenderem as dificuldades desses estudantes e desenvolverem ações.

Nos cursos de Engenharia, os professores já identificaram os desafios enfrentados pelos estudantes indígenas para se adaptarem às abordagens tradicionais das disciplinas, que demandam extensas horas de estudo, cálculos e repetição. Os docentes vêm se reunindo para discutir formas de adaptar as matérias e garantir que os estudantes indígenas absorvam os conteúdos necessários para obter um diploma universitário.

“Sabemos a importância de que os povos originários possam ser os sujeitos históricos da construção tecnológica das comunidades, tanto em infraestrutura, energia, como outras engenharias que eles necessitam dominar. E, nesse sentido, estamos preocupados em dar uma formação de qualidade para que eles possam tomar as decisões sobre geração de energia limpa, descarbonização da economia e novas formas de produção em suas comunidades”

disse o professor Ricardo Hartmann, do curso de Engenharia de Energia.
Foto 03 - Estudantes de 28 povos indígenas e 8 nacionalidades estão presentes nos cursos de graduação da UNILA
Foto 03 – Estudantes de 28 povos indígenas e 8 nacionalidades estão presentes nos cursos de graduação da UNILA

O desafio de acolher saberes tradicionais na Universidade

Por outro lado a UNILA tem o desafio adicional de pensar formas de acolher, dialogar e incluir os conhecimentos e saberes tradicionais trazidos por esse grupo de estudantes indígenas.

Pesquisador da História das sociedades indígenas, Clovis Brighenti diz que, mesmo universidades que recebem alunos indígenas há mais tempo, ainda debatem formas de incluir os saberes tradicionais na estrutura universitária.

“A UNILA é privilegiada porque tem na sua constituição a dimensão da interculturalidade como elemento básico, incluindo a valorização dos conhecimentos dos povos. Mas acho que o grande desafio que está posto para a Universidade nesse momento é como garantir que esses princípios se transformem em políticas na instituição”, observou o docente.

Apesar dos desafios que ainda persistem, quem percorre as unidades da UNILA já pode notar que as primeiras turmas de estudantes indígenas estão deixando suas marcas na Universidade.

Hoje são 282 estudantes indígenas ativos, incluindo aqueles que ingressaram através do PSIN, Seleção Internacional e SISU. Esse grupo já fundou um coletivo para sua representação política, criou uma Atlética Indígena, promove eventos e tem diversos projetos planejados para o futuro, tanto dentro quanto fora da universidade. Sua presença transforma diariamente a Universidade, na mesma proporção que a Universidade transforma sua trajetória de vida.

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