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O primeiro relato de que se tem conhecimento sobre o Brasil é acerca de seu “achamento”, ou melhor, descobrimento.
A “Carta do Achamento do Brasil”, escrita pelo escrivão Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manuel, de Portugal, em 1500, descreve em um trecho, sem conter a euforia, a abundância das águas brasileiras:
“Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem”.*
Ao se “descobrir” Foz do Iguaçu, o que surpreende os turistas é o encontro das águas, porém agora o cenário é outro. É possível dizer que gerações mais novas nunca tinham visto as estiagens em nossa região. O estado vive a pior estiagem desde que o Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná começou a monitorar as condições do tempo em 1997.
“Nove das maiores cidades paranaenses, de quase todas as regiões do Estado, tiveram chuvas bem abaixo da média histórica entre junho de 2019 e março de 2020”, apontou o Simepar em artigo publicado. A baixa precipitação já dura dez meses. O termômetro da seca indica que Foz do Iguaçu teve 34,7% de diminuição de chuva.
No Rio Paraná, responsável pela energia gerada, segundo a Usina Hidrelétrica de Itaipu Binacional, a vazão está 42% abaixo do normal. No começo do mês de abril, a vazão acima da Itaipu era de aproximadamente 6,7 milhões de litros de água por segundo. Conforme a hidrelétrica, foi a menor quantidade de água dos últimos oito anos.
Já no outro extremo da cidade de Foz do Iguaçu, quem sofre são as Cataratas do Iguaçu. No dia 5 de abril, a vazão chegou a 259 mil litros de água por segundo, volume próximo da última grande seca, em julho de 2006, em que a vazão era de 245 (m³/s), conforme o Monitoramento Hidrológico da Copel. No dia 15 de abril deste ano, às 10h, a vazão estava em 330mil litros de água por segundo. Para efeito de comparação, os volumes de água ficam bem abaixo do normal, que é de 1,5 milhão de litros de água por segundo.
Monitoramento Hidrológico da Copel
* (In Jaime Cortesão, org. A Carta de Pero Vaz de Caminha, p.239).
Na prática
O graduado biólogo, graduando em engenharia de aquicultura e iguaçuense Rodolfo Jaramillo Aranda Junior conta que os rios podem secar por diversos fatores, naturais ou por interferência humana.
“O Rio Paraná, por exemplo, depende do lago artificial, que depende de rios que vêm de outros estados. Não ocorre chuva há um bom tempo nessas regiões, e isso reflete na baixa vazão do rio. O mesmo ocorre com o Iguaçu, que tem resultado na seca das Cataratas”, diz.
Rodolfo vendo com os próprios olhos a estiagem
O biólogo informa ainda que já tinha presenciado o rio um pouco baixo, porém não tão severo como está a estiagem nesses dias, e assim foi verificar com seus próprios olhos.
“Nesta caminhada, consegui encontrar alguns restos de animais como camarão, mexilhão dourado e peixes. Com a seca, deu oportunidade de predadores poderem se alimentar das presas acuadas entre as rochas e em lagos formados nas rochas. Quando estive lá, fiz junto a moradores o resgate de um quero-quero que ficou com as patas presas por linha de pesca”, comenta.
Ajudando no resgate de um quero-quero
Observou também muito material de pesca e lixo que ficou no rio. Dizendo ainda que:
“Em outra parte, também ficou mais visível uma saída de tratamento de esgoto que desaguava no rio com uma espuma fétida”.
Ele também foi a campo conferir a grande seca
Se por um lado Rodolfo não tinha visto tamanha estiagem dos rios, o ambientalista e historiador Francisco Amarilla revela que já viu inúmeras vezes a seca do Rio Paraná. Como a de 1977, por conta da grande geada de 1975. Amarilla acredita que esta seja a segunda maior estiagem da história. Para ele, o ser humano é o maior causador disso.
“A natureza só está respondendo às consequências. Com certeza esta é uma mensagem da natureza: parem de destruir e devastar o ambiente.”
Amarrilla conferindo a seca no ano de 2020
A visão pelos olhos e pelas lentes
Quem também foi conferir de perto foi o fotógrafo, parceiro da 100fronteiras, Armando Abdias, com sua “melhor amiga”, a câmera fotográfica, para fazer cliques de pertinho desse momento histórico. Perguntamos a ele qual foi a primeira sensação obtida com aquela paisagem, e logo nos conta:
“A primeira sensação é de não acreditar, pois não é algo comum de quem passa todos os dias pela Ponte da Amizade ver o Rio Paraná em um nível tão baixo que quase dá para atravessar a pé, sem precisar da ponte”.
Um dos objetos encontrados pelas lentes de Armando
Contando que a imagem que veio à sua cabeça parecia cena de filme. “O que mais me surpreendia era pensar que ali onde eu estava tinha água a mais de 20 metros da minha altura”, destaca Armando. Ainda para sua surpresa, por incrível que pareça, ele não viu tanta sujeira no rio como imaginou.
De hobby, há mais de dez anos, a fotógrafo profissional, Abdias transmitiu com muito sentimento as fotos da estiagem.
“Sempre digo que a fotografia tem a alma e o sentimento do fotógrafo, por isso digo que uma imagem transparece muita coisa”, finaliza.