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Por: Patrícia Buche

 “Na minha tentativa de suicídio, os médicos conseguiram me reanimar. Eu fui levada pro quarto e lá eu chorei muito, porque eu me sentia tão inútil que nem morrer eu conseguia. Aí me lembro que um médico entrou no meu quarto e, muito calmo, me olhou e falou: ‘Por que você fez isso, sendo tão jovem’? Então eu me abri pra ele e contei toda a minha história e disse que não sabia por que eu tinha vindo ao mundo se eu só sofria. Ele apontou para a máquina dos batimentos e disse: ‘Você sabe o que é isso aí’? Eu disse que eram meus batimentos, e ele disse ‘não, esse é o resumo da vida. Na vida, se você não tiver altos e baixos, você morre’. E disse que eu não estava sozinha e que um dia eu iria entender por que estava passando por tudo isso. Então eu senti uma calmaria tão grande, e ele saiu do quarto. Eu comecei a chorar muito e, quando a enfermeira entrou, eu pedi qual o nome do médico que havia acabado de sair, e ela me disse que o médico ainda nem tinha vindo me ver. Hoje eu entendo que aquela pessoa no meu quarto era Jesus.”  – Lismara Moreira, jovem de 28 anos, youtuber e digital influencer, testemunhando algo que aconteceu quando era adolescente

Ela chega de mansinho e vai consumindo você aos poucos. Primeiro era rouba sua vontade; vontade de sair, de rir, de conversar, de se arrumar… Depois começa a roubar seus pensamentos e quando você se dá conta sente um profundo vazio interno, mesmo estando rodeado de pessoas. Mas esse vazio vem preenchido com sentimentos de medo, tristeza profunda, desespero, fadiga…

Ela é a depressão, doença que afeta milhões* de pessoas em todo o mundo. E eu tenho certeza de que você conhece alguém que sofre desse mal. “A depressão é um transtorno psiquiátrico e atinge pessoas em qualquer faixa etária. Ela surge por meio de vários fatores como alterações químicas cerebrais, ansiedade e estresse crônico, disfunções hormonais, traumas psicológicos e físicos, entre outros. Além disso, o estresse pode desencadear a depressão em pessoas com predisposição”, explica a psicóloga Neiva Luciane, especialista no assunto.

* De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é considerado o país mais ansioso e estressado da América Latina. Dados de 2018 revelam que, nos últimos dez anos, o número de pessoas com depressão aumentou 18,4%, correspondendo a 322 milhões de indivíduos, ou 4,4% da população da Terra. No Brasil, 5,8% da população sofre com o problema. 

Lismara teve depressão por conta de traumas em seu ambiente familiar. “Começou aos 10 anos de idade. Eu me sentia rejeitada pela minha mãe e tudo o que fazia parecia errado para ela. Eu me sentia inútil e rejeitada pela pessoa que eu mais queria ser amada.” Além disso, ela sofria bullying na escola e mesmo sendo inteligente apanhava em casa, porque, ao terminar as atividades escolares antes que os demais alunos, ficava conversando, e por conta disso a mãe era chamada no colégio. Em troca, Lismara ganhava um castigo ou apanhava na frente dos colegas.

Tudo isso foi aumentando o trauma e, ainda na adolescência, ela tentou tirar a própria vida, resultando no testemunho do hospital. “Eu me machucava porque eu queria que a dor fosse física, já que a dor dentro do meu peito era muito maior, mas não passava. Viver passou a ser um fardo. Eu só queria morrer”, relembra.

A psicóloga Neiva destaca ainda que esses sintomas passam a ser considerados doença a partir do momento em que a pessoa tem humor deprimido constante e tristeza profunda na maior parte do dia durante duas semanas.

“Há também algumas substâncias que estão relacionadas à depressão, como corticotrofina, cortisol, estrogênio, progesterona e tiroxina. Essas substâncias atuam na comunicação cerebral, na interferência em moléculas do bem-estar, como a inibição da serotonina.  Quando alterados, os hormônios podem desencadear a tristeza sem fim. Para tanto, a ciência trabalha tentando identificar, corrigir, inibir, estabilizar e substituir esses hormônios”, informa o professor especialista no assunto Fernando Favaretto, que concedeu entrevista exclusiva à 100fronteiras.

Ainda segundo ele, para saber lidar com essas situações é preciso compreender o ser humano em uma forma mais complexa, ou seja, “é necessário que nos tornemos conscientes de que não somos apenas um corpo físico e que não são só as mudanças hormonais as responsáveis pelos sintomas. É preciso compreender o ambiente em que estamos inseridos, os lugares que frequentamos, a rotina que levamos e a quantidade e qualidade das imagens que recebemos diariamente”, ressalta.

Olho: “A maioria das pessoas não entendem a depressão. Só entende a depressão quem passou por isso ou foi forte o suficiente para ficar ao lado de quem passou por isso.” Lismara Moreira

E como já dito nas duas reportagens anteriores da série Saúde Mental, o excesso de informações que recebemos pelas mídias sociais contribui para a perturbação de nossa mente, gerando inquietação e frustração. “A grande tarefa da nossa era é vencer a relação complicada com os atrativos dos tempos atuais, dominados pelos meios virtuais hipnotizantes, pelos símbolos e posses, e resgatar os valores, quebrando máscaras e substituindo-as pela sincera vontade de atuar, pela essência do que é humano, resgatando a conexão com a natureza e com o verdadeiro eu de cada um”, explana Fernando.

Lismara só procurou ajuda profissional recentemente, quando decidiu que era hora de tratar desses traumas. “Eu sigo acompanhamento com uma profissional que trata da cura emocional. Ainda tenho os traumas, e eles ainda doem, mas bem menos do que doíam antes, pois vejo-os com outro significado. Perdoei a minha mãe, sei que no fundo ela não fazia por mal. O que me dói hoje é saber que isso é uma realidade de milhões de pessoas que precisam de ajuda, e eu não posso chegar a todas elas.”

E completa: “Hoje, com base na minha experiência, eu quero mostrar para as pessoas que não é a dor e a vida delas que morrem, as pessoas ao redor delas também morrem. E eu não concretizei quando adolescente porque eu pensava nas pessoas que iam sofrer com a minha ausência, principalmente meu pai”.

Cuidando de você

Não é fácil ter de admitir que se está doente e é preciso de ajuda, principalmente em um mundo onde o egoísmo e a individualidade estão em alta, porém é ainda mais difícil enfrentar a depressão sozinho. Por isso, procurar ajuda nesse momento é fundamental para restabelecer a saúde.

Os tratamentos nesse caso consistem em procurar um especialista para fazer um diagnóstico que, na sequência, orientará para um tratamento farmacológico com psiquiatra e acompanhamento com terapias. “Todos nós em algum momento passamos por situações difíceis onde não sabemos lidar com nossas emoções e estados de humor. Mas é importante identificar o que está experimentando, pois a pessoa pode sentir-se cansada o tempo todo e não perceber que está deprimida, ou mesmo sentir-se nervosa e não reconhecer que está ansiosa. Por isso, a qualquer sinal de modificação no humor ou fadiga excessiva, é importante procurar ajuda de um profissional que lhe auxiliará nesse processo”, aconselha Neiva.

De qualquer forma, a presença dos familiares e amigos nesse momento de luta ainda é o fator essencial para a melhora nos quadros de depressão. “As pessoas estão carentes de abraço e atenção, então esteja presente. Não por internet. Elas precisam do toque, do calor humano, elas precisam sentir que são importantes. Então encontre tempo para as pessoas que você ama, antes que seja tarde demais”, alerta Lismara.

A importância da família e da escola na prevenção da depressão

De acordo com o professor Fernando Favaretto, o papel da família é de extrema importância para a constituição do indivíduo. “Todo ser em desenvolvimento precisa de uma família, por ser a grande fonte de proteção e vitalidade. Uma criança em desenvolvimento precisa de tempo, afeto e também de contato com a natureza, seja em praças, parques, bosques, praia, onde possa estar em contato com elementos naturais. É durante a infância que a criança constrói seu alicerce para a vida toda, e este precisa estar preenchido com boas imagens de afeto. E é na presença dos familiares que as crianças ganham limites e respeito pela vida.”

Já com relação à escola, ele destaca que é de suma importância um local em que se aprenda leitura, escrita, cálculos, ciências e tudo aquilo que traga emancipação e dignidade para o ser humano. “É também necessário oferecer ao jovem auxílio na construção de seu propósito de vida. Não há força maior que a conexão entre aquilo que fazemos e aquilo que gostaríamos de fazer”, ensina.

*Para saber mais sobre o testemunho de Lismara, acesse o vídeo no canal do YouTube “Fala Sério Lis” com o título: Depressão e Suicídio – Meu Testemunho.

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